fevereiro 13, 2008

Aviso Prévio
Pretende o Grupo de Trabalho do Arquivo Histórico-Documental CUF-QUIMIGAL, através do presente blog, ir gradualmente facultando aos investigadores e demais interessados elementos ainda não publicados provenientes do referido arquivo, que é propriedade da CUF – Companhia União Fabril, SGPS, S.A., ou sobre aqueles trabalhados. A referência ou reprodução parcial de qualquer texto postado é livre, sob condição de mencionar a sua autoria e origem e é da exclusiva responsabilidade do utilizador. Ao reproduzirem e postarem textos históricos e/ou técnicos provenientes do referido Arquivo ou neste depositados ou sobre uns ou outros trabalhado, quer o Grupo de Trabalho, quer a Sociedade proprietária não assumem qualquer responsabilidade pelo respectivo conteúdo. Comentários, esclarecimentos ou solicitações para reprodução integral deverão ser unicamente formulados através do endereço electrónico fabricasol@cuf-sgps.pt.

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Retrato de Percy Parrish

ASPECTOS DE TRANSFERÊNCIAS DE TECNOLOGIA: A CONSULTADORIA DE PERCY PARRISH NA CUF, COMPANHIA UNIÃO FABRIL (ANOS 40 DO SÉCULO XX)*

Isabel Cruz
Grupo de Trabalho dos Arquivos da CUF/QUIMIGAL

Retrato de Percy Parrish

Percy Parrish nasceu em 1884 em Dewsbury, no condado de Yorkshire, Inglaterra. Aqui obteve a sua formação técnica base, na Dewsbury Technical School, seguindo depois o Huddersfield Technical College e por último a Universidade de Leeds. Em 1900 era químico na J. Brown & C.º, Ltd (Dewsbury); director-geral e químico na Eaglescliffe Chemical Company’s Work em 1914, e em 1915 director das fábricas de amoníaco e de ácidos da South Metropolitan Gas Company em East Greenwich, posição que manteve até ao final da sua vida. Foi eleito membro associado do Institute of Chemistry em 1918 e “fellow” em 1931. Parrish foi autor de diversa bibliografia científico-técnica sobre a manufactura dos adubos químicos, do ácido sulfúrico e do amoníaco, o que o tornou na época uma referência de renome internacional. Morreu em Maio de 1947, aos 63 anos de idade. Foi a empresa do seu genro, The Chemical Plant and Sulphur Extraction Co., Blackheath, London quem assumiu a continuidade de alguns dos seus contratos com a CUF, Companhia União Fabril.

* Comunicação em poster apresentada na 6.th International Conference on the History of Chemistry, “Neighbours and Territories; The Evolving Identity of Chemistry”, realizada sob os auspícios da EuCheMS em Leuven, Belgique, de 28 de Agosto a 1 de Setembro de 2007. Versão inglesa acessível no website da conferência, em
http://www.6ichc.be
.

Agradece-se a revisão dos textos ao Eng. José Miguel Leal da Silva.

O início da colaboração de Percy Parrish na CUF
Dados até à data recolhidos, permitem supor que a colaboração de Percy Parrish como consultor químico da CUF, Companhia União Fabril, se iniciou pelos meados da década de 40 do século XX, quando esta se preparava para por em marcha um plano de expansão centrado nos adubos fosfatados.
A modificação na tecnologia da produção dos «superfosfatos» - gíria técnica para os referidos adubos – requerida por via deste plano de expansão, com a qual se pretendia o «enriquecimento» do adubo para concentrações da ordem dos 40% em P2O5 envolvia o uso simultâneo dos ácidos fosfórico e sulfúrico.
Este facto, naturalmente, levou a que no complexo industrial das fábricas da CUF no Barreiro surgissem dois aspectos tecnológicos de 1.ª ordem: a necessidade de uma unidade fabril para o ácido fosfórico (instalação que veio a ser, por sinal, a primeira a nível nacional), e uma maior demanda por ácido sulfúrico.
É no contexto da nova exigência na quantidade de ácido sulfúrico produzido, que a CUF procura o apoio técnico de Percy Parrish, uma autoridade internacional no domínio da tecnologia de produção deste produto químico. A correspondência trocada entre Percy Parrish e o engenheiro da CUF, Eduardo Madaíl (administrador, adjunto do director técnico e comercial da Companhia desde Dezembro de 1942), em meados de 1944 revela que se pretendia uma expansão do ácido sulfúrico sem aumentar o número de unidades produtoras à data existentes - 3 grupos, cada um composto por duas fábricas gémeas instaladas lado a lado, com uma média máxima de produção de 6 x 54 toneladas diárias de ácido sulfúrico a 53º Bé ≈ 67% H2SO4 equivalente a cerca de 217 toneladas por dia de monohidrato i.e. de ácido sulfúrico a 100% (a seguir designado por MHS) - e sem mudança de processo (processo de nitração, usando câmaras – “box chambers” - de chumbo).


Tecnologia do sulfúrico de câmaras: a adopção dos turbo-dispersores e do sistema «Parrish» de fase líquida
A primeira solução apontada por Percy Parrish foi a da utilização de turbo-dispersores – um meio prático, já reconhecido, de aumentar a capacidade de um sistema de câmaras clássicas, lançado por Gaillard
[1] e aperfeiçoado por Parrish[2], que optimizou valores de taxas de funcionamento - montados nos tectos das câmaras paralelipipédicas das fábricas de ácidos do complexo do Barreiro permitiu, dentro dos condicionalismos apontados, dar uma resposta mais imediata ao problema urgente da expansão, aumentando em 30% o rendimento da produção do ácido sulfúrico em relação à pirite ustulada, o que significava o considerável aumento de 16,2 toneladas de ácido a 53º Bé (i.e. 10,8 toneladas MHS) por dia e por fábrica.

[1] De acordo com STOHMANN, KERL et al na “Gran Enciclopédia de Química Industrial”, Volume XII, Capítulo XXXVI – Sulfúrico (ácido), p.854, E. A. Gaillard retomou e estudou o antigo método proposto por Blau de espargir as paredes internas das câmaras com ácido arrefecido; o processo Gaillard foi considerado como um dos mais importantes de entre outros, como os de Falding, Moritz, Th. Meyer, Mills-Packard, Schmiedel-Klencke e Petersen, todos envolvendo tipos específicos de câmaras.

[2] Segundo a “L’Industrie Chimique” no seu número de Setembro de 1956, p.278, Parrish introduziu aperfeiçoamentos no “Sistema Gaillard” que resultaram numa melhor performance mecânica dos turbo-dispersores e com menor consumo energético. O “Sistema Gaillard” era descrito como: incluindo um Glover e duas Gay-Lussac, um conjunto de 4 a 8 torres ocas, e muito ligeiramente tronco-cónicas. No centro do telhado de cada uma destas torres um turbo-dispersor projectava uma chuva ácida contra as paredes internas das mesmas.




Fig.2: fotografias de dois tipos de «tower chambers» enviadas por Percy Parrish ao “staff” técnico da CUF como exemplos de “tecnologia Parrish”, em Fevereiro de 1945

Assim, mas a título experimental, foram instalados dez turbo-dispersores em duas das fábricas de ácido sulfúrico existentes (a n.º 5 e a n.º 6), da seguinte maneira: 5 em cada, 2 + 2 + 1, desta forma distribuídos pela 1.ª, 2.ª e 3.ª câmaras, respectivamente. Em meados de 1946 funcionavam bem e com bons resultados.
[1]
Os turbo-dispersores espargiam uma fina chuva de ácido frio a 48/49º Bé contra as paredes das câmaras e isto não só favorecia a cinética do processo oferecendo uma maior interface gás/líquido às complexas reacções que culminavam na produção de ácido pelo processo de nitração, como também permitia arrefecimento num processo exo-energético, evitando (ou reduzindo) a necessidade de sistemas de refrigeração alternativos como o da dispersão de água exterior, usada nas instalações Parrish (e Mills-Packard).
[2]

[1] “Two of our plants already have the turbo-dispersers working with splendid results”. Cf. Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Documentação da ex-DQIM, Divisão de Química Inorgânica e Metais – carta de Edurado Madaíl para Percy Parrish, de 17 de Junho de 1946.
[2] “L’Industrie Chimique”, Novembro de 1956, p.342.

Fig.3 – Esquemas de uma câmara de chumbo clássica, tecnologia introduzida nas fábricas de ácido no Barreiro pelo consultor francês A. L. Stinville no início do século XX

Para além do referido uso dos turbo-dispersores, foram tomadas ainda outras medidas dentro do “pacote” tecnológico designado pelo próprio como «Parrish liquid-phase system»: aproveitando a “influência das paredes”, facto observado, na rotina das fábricas, de uma redução brusca do tempo necessário para a formação do ácido a partir do momento em que nas paredes das câmaras começava a surgir um filme líquido, e que este continuava a diminuir à medida que o filme se estendia, atingindo um valor mínimo (logo um máximo de intensificação do processo) quando toda a superfície estava molhada
[1], Parrish promoveu a divisão de algumas das câmaras existentes, de forma a aumentar a superfície de contacto entre componentes do sistema reaccional.
Desta forma se passava, em cada fábrica, de um conjunto de três grandes câmaras para um outro de cinco câmaras consecutivas, onde duas delas eram resultado da divisão de duas anteriores de maiores dimensões – um novo arranjo que mais se aproximava ao modelo de «tower chamber» preconizado por Parrish. Esta inovação foi efectivamente adoptada, e por meados de 1948 todos os 3 grupos de fábricas já funcionavam com este tipo de alterações, mas não muito bem, essencialmente devido a uma má mecânica dos turbo-dispersores.
[2]
Ainda fazendo parte do conjunto de medidas necessárias à aplicação do seu sistema de fase líquida, referem-se outras “demarches” de aconselhamento de Parrish que foram concretizadas nas fábricas de ácido sulfúrico da CUF no Barreiro, tais como:
. reavaliação do funcionamento dos Glovers, na perspectiva de um possível redimensionamento;
. funcionamento de um forno extra para pirites (o 5.º forno) em cada fábrica de ácido;
. aumento da capacidade da ustulação de 7,5 para 9 toneladas de pirites queimadas por dia, em cada um dos fornos existentes com algumas alterações na sua concepção;
. alteração do sistema de alimentação e da trajectória do minério, nos fornos mecânicos de andares (que eram os utilizados nas fábricas de ácidos do Barreiro), de forma a evitar o “short-circuiting”.
[3]


Outras iniciativas de Percy Parrish nas fábricas da CUF

Concentração e purificação de ácido sulfúrico

Para lá do importante protagonismo assumido por Percy Parrish como consultor da CUF, até à data do seu falecimento, em Maio de 1947 – em particular no respeitante à intensificação de processos - a tecnologia de câmaras mantém-se como a solução escolhida para todos os passos seguintes da expansão da produção do ácido sulfúrico na Companhia. Esta opção prevaleceu até ao momento em que exigências de mercado obrigaram a um ácido concentrado isento de ferro. Então, em 1950 uma primeira e pequena instalação de ácido sulfúrico por contacto, em grande parte ainda projectada por Parrish, entrou em funcionamento para a produção desse ácido destinado a novos sectores de mercado. Contudo, somente em 1952, com uma segunda instalação de ácido sulfúrico por contacto, erigida quando a CUF se iniciou na produção de fertilizantes azotados, se verificou um passo decisivo no aumento da capacidade da produção de ácido sulfúrico através da via “ácido por contacto”. E, na verdade, entre as duas primeiras fábricas de ácido sulfúrico pelo processo de contacto na CUF, um aumento adicional de capacidade foi feito reproduzindo ainda, como módulo, o conceito existente de fábricas de câmaras.
Parrish estudou ainda outras questões, resultantes de exigências internas para um fornecimento de ácido mais puro e mais concentrado. Para além do ácido a 53º Bé, produzia-se também nas fábricas do Barreiro ácido pelo processo de câmaras 60º Bé e 65/66º Bé ordinário, 65/66º Bé com 92% monohidrato e 65/66º Bé purificado (este último possivelmente apenas desde 1945), o que permite constatar claramente que estiveram presentes desde bastante cedo neste complexo, as tecnologias de purificação e concentração do ácido produzido pelo processo de câmaras.
[4]
Em 1945 a Companhia adopta uma «Concentração Parrish» (designação usada nos círculos internos) que aparece no contexto da nova fábrica de ácido fosfórico, para produção de adubos fosfatados concentrados («superfosfato-triplo», também uma terminologia doméstica). Como eram necessárias cerca de 70 toneladas/dia de ácido sulfúrico a 60º Bé (78%), i.e. cerca de 55 toneladas/dia de MHS, e como as cinco unidades Kessler existentes, podendo produzir diariamente 3,5 toneladas de ácido a 65/66º Bé (i.e. 3,2 toneladas MHS) por concentrador, ou seja um total de 17,5 toneladas de ácido 65/66º Bé (i.e. 16,1 toneladas MHS), correspondendo a 20,5 toneladas de ácido a 60º Bé, já não cobriam por si só estas necessidades para o ácido fosfórico e, desajustadas à concentração do ácido não muito alta a que se pretendia chegar em grande quantidade, nem sequer asseguravam a economia do processo.[5] A instalação no Barreiro da “Concentração Parrish” sofreu largamente com o desaparecimento do seu projectista, prolongada por várias prorrogações de prazo, devido a atrasos na entrega de material refractário e anti-ácido enviado do estrangeiro. A instalação em questão só estava pronta a funcionar em Julho de 1952.
É também do mesmo ano a instalação de uma desarsenificação TREPEX, purificação “Parrish”, da Chemical Plant & Sulphur Extraction Co.; em 1944 existia um projecto da CUF em andamento, para desarsenificação por precipitação do arsénio com sulfureto de bário – quem responde por ele é o Eng.º Cabral. O sr. Parrish propõe entretanto um processo mais barato (utilizando-se um desarsenificador “TREPEX”), com obtenção de sulfureto de arsénio mediante precipitação com H2S (localmente obtido durante o processo) – este processo entrou em funcionamento na CUF em Abril de 1945.

Resíduos e aproveitamento de sub-produtos

Já desde o início do funcionamento do complexo da CUF no Barreiro, nos princípios do século XX, que a questão do que fazer com os resíduos do funcionamento das várias fábricas se colocava. E se bem que, de acordo com as práticas comuns na época (que foram entretanto sucessivamente melhoradas durante a vida do complexo), parte destes fosse “dispersa”, também é verdade que a sua maior parte, tais como as cinzas de pirite lixiviadas (o “purple-ore”), as lamas de sulfatação oriundas das câmaras de chumbo, as poeiras da ustulação das pirites removidas dos precipitadores electrostáticos (electrofiltros), o gesso proveniente da produção do ácido fosfórico, crescia incessantemente acumulando-se em áreas determinadas – uma solução que de forma nenhuma poderia ser tomada como definitiva.
Assim sendo a preocupação em encontrar outras vias para a eliminação das matérias residuais do complexo e do Barreiro originou diversos tipos de acordos-permutas que permitiram, por exemplo, o escoamento das cinzas de pirite após terem sido lixiviadas para remoção de cobre nelas contido, por exportação contra o fornecimento de aço para a CUF,
[6] ou das lamas das câmaras de chumbo (praticamente apenas o sulfato correspondente) em troca de suprimentos de lingotes de chumbo. Se o primeiro acordo referido poderá ter terminado na vizinhança da II Guerra Mundial (extensão e periodização exactas ainda a determinar), o segundo deverá ter cessado bastante antes (~1924) devido ao problema do conteúdo em bismuto no chumbo, que se transmitia às lamas de sulfatação e as inviabilizava para reciclagem de chumbo destinado aos acumuladores. O facto era, que sem exportações, as cinzas e as lamas continuavam a crescer em grandes montões no território das fábricas sem um fim de aproveitamento à vista (ainda que tenham sido adoptadas soluções “domésticas” que permitiram contornar a situação durante os anos 50).
Em 1945, pelo menos 200.000 toneladas de cinzas de pirite lixiviadas já tinham sido produzidas, e constituíam um tremendo problema tecnológico, cuja extensão naturalmente aumentava à medida que a expansão dos fabricos e a intensificação dos processos avançava.
Não admira, por isso, que esta fosse uma vertente contemplada na relação de consultadoria de Percy Parrish na CUF, que a seu propósito realizará determinado tipo de intervenções – muitas delas centradas na questão do aproveitamento do chumbo - no sentido de encontrar novas soluções para ela. Relativamente às cinzas lixiviadas, Parrish procurará encontrar outros clientes, oferecendo-se inclusivamente para intermediar uma versão mais actualizada de um acordo para ser negociado com a Inglaterra visando um potencial mercado consumidor.
[7]
A partir de 1945, a colaboração de P. Parrish foi também solicitada no sentido de se encontrar soluções para as poeiras dos electrofiltros, fazendo uso essencialmente do seu conteúdo em chumbo. Em 1946 Parrish informou a CUF que se encontrava a desenvolver um processo para recuperação do chumbo das poeiras dos electrofiltros. Contudo, o processo não teve o desfecho esperado, muito possivelmente devido ao falecimento de Parrish. O seu interesse na recuperação de chumbo das cinzas de pirite também não frutificara em factos significativos, um resultado que Parrish associaria ao estado químico-mineralógico da espécie presente.
Ambos os exemplos (cinzas lixiviadas e poeiras dos electrofiltros) serão posteriormente assumidos e tecnologicamente resolvidos nos anos 50/60 na CUF-Barreiro, com o conceito aperfeiçoado de recuperação integrada trazida pela instalação “TCP” (de “Tratamento de Cinzas de Pirite”) e pela metalurgia dos metais não-ferrosos.

O lugar de Percy Parrish nas fábricas da CUF

Mostraram-se aqui algumas das intervenções tecnológicas mais representativas da acção de Percy Parrish como consultor químico das fábricas do Barreiro, desde meados de 1944 (altura em que se acredita ter sido solicitado pela CUF) até Maio de 1947 (data em que cessou a sua colaboração). Ficaram de fora outras não menos importantes, como por exemplo as que permitiram modernizar o fabrico do sulfato de sódio e do ácido clorídrico, a instalação de uma fábrica de ácido fosfórico e o apetrechamento das fábricas de ácido sulfúrico com diverso tipo de aparelhagem analisadora e registadora, para controle ambiental e de qualidade do produto final. É também muito visível o papel de Parrish na coordenação entre a CUF e as empresas detentoras de «know-how» e de equipamentos, agindo como elo de ligação, intermediando os processos das encomendas realizadas, mexendo em praticamente todos os aspectos técnicos. E se Stinville foi o consultor - fundador da obra tecnológica, ao projectar a matriz base fabril do “cluster” inicial (e que acompanhou ainda em parte no desenvolvimento subsequente para complexo químico-industrial), mantendo o diálogo decisivo com a CUF essencialmente dirigido para a figura do seu patrão, Alfredo da Silva, Percy Parrish foi o «consultor da expansão» que conduziu os fabricos existentes a melhores níveis de performance dentro do mesmo paradigma tecnológico, numa troca de correspondência onde a figura do engenheiro Eduardo Madaíl era o pivot entre a decisão e a execução, e o interlocutor técnico-científico privilegiado.

Referências e bibliografia


“Chemical Age”, 7 de Junho de 1947
Documentação da ex-DQIM, Divisão de Química Inorgânica e Metais. Arquivos da CUF/QUIMIGAL
“L’Industrie Chimique”, N.ºs de Agosto de 1954 a Novembro de 1956
MACKIE, R.; ROBERTS, G. (2002) – Career Patterns in the British Chemical Profession during the Twentieth Century (XIII th Economic History Congress, Buenos Aires)

[1] “L’Industrie Chimique”, Setembro de 1956, p.278 e Novembro de 1956, p.343.
[2] “L’Industrie Chimique”, Setembro de 1956, p.273.
[3] “I thank you for enclosing a print showing the arrangement of the feed of pyrites in relation to the connecting flue. The arrangement which exists, so far as your units N.ºs 5 and 6 are concerned, is ideal, contrasted with that which was originally arranged in units N.ºs 1,2,3 and 4 and I am gratified to think that at the first available opportunity units N.ºs 1,2,3 and 4 will be converted to the arrangement now existing in units N.ºs 5 and 6 (…) Much of the dust being entrained to your electrostatic precipitators has been due to the very unscientific arrangement of feeding the pyrites at the point at which the gases emerge, as represented by the arrangements of yours N.ºs 1, 2, 3 and 4 units”. Cf. Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Documentação da ex-DQIM, Divisão de Química Inorgânica e Metais – carta de Percy Parrish para a “Secção Estrangeiro” da CUF, de 14 de Março de 1945.
[4] Tal como se pode constatar no anúncio em “A Agricultura: folha propagandística de conhecimentos agrícolas”, CUF, N.º 30, 1912, e outros dados, estatísticos, presentes em vários memorandos da CUF para a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos. Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Documentação da ex-DQIM, Divisão de Química Inorgânica e Metais. Processo N.º 56: “Comissão Reguladora”.
[5] Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Processos de pedidos para instalações industriais. Memória descritiva e justificativa. Ácido sulfúrico: Concentração “Parrish” (70 ton/dia), de 21 Outubro de 1946.
[6] Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Documentação da ex-DQIM, Divisão de Química Inorgânica e Metais. Processo 16 (D): Jan de Poorter – carta de Percy Parrish para a “Secção Estrangeiro” da CUF, de 21 de Outubro de 1946.

[7] Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Documentação da ex-DQIM, Divisão de Química Inorgânica e Metais. Processo 16 (D): Jan de Poorter – carta de Percy Parrish para a “Secção Estrangeiro” da CUF, de 21 de Outubro de 1946.
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maio 25, 2006

“NOVOS” ENG.ºs CUF

Nota introdutória

Ainda que a “época dos engenheiros” na Companhia União Fabril seja temporalmente mais recente do que as datas aqui apresentadas, e coincidente com as vagas de admissões dos anos 50/60 do século XX, verificadas na empresa e decorrentes das suas políticas de expansão, o facto é que desde muito cedo, a CUF recrutou pessoal técnico superior para as suas fábricas no Barreiro, não só estrangeiro (em particular nos primeiros dez anos da instalação), como também nacional - julga-se que especialmente a partir da I Grande Guerra.
A rarefacção de fontes da empresa para a primeira metade do século XX limita, necessariamente, qualquer cenário que se possa traçar sobre o pessoal técnico para esse período histórico da CUF, que se crê enquadrado numa estrutura base muito simples de hierarquia e comando.

Sendo factual e conhecido o elenco dos primeiros directores do Barreiro após Stinville, a saber, Eng.º Eduardo Madaíl (1927 – 1929), Eng.º João de Rocha e Mello (1930 – 1943), Eng.º Faustino de Sousa (1944 – 1952), para essa primeira metade do século, a verdade é que se está longe de saber de forma completa, que técnicos ocuparam os lugares logo abaixo na hierarquia, e que respondiam pelo controle eficaz e bom andamento das fábricas, assim como está por esboçar a estrutura existente, e que antecede a reforma e reorganização profunda que a empresa viverá nos anos posteriores ao pós - II Guerra Mundial (existe uma lista de engenheiros da CUF em 1952, que será oportunamente divulgada).

É pois, no intuito de compilação de dados referentes a esta temática e na mira de possíveis esclarecimentos adicionais, que se abordam, nesta notícia, dois nomes antigos entretanto localizados, de engenheiros “novos” porque pouco ou nada conhecidos, até ao momento, no contexto da história da CUF-Barreiro.

Eng.º Daniel Conceição Torres
Elementos obtidos em BENSAÚDE, Alfredo (1922) - Notas histórico-pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico. Lisboa, Imprensa Nacional, p.155, e no acervo bibliográfico do IICL actualmente na posse do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, ISEL


Nome [completo?]: Daniel Conceição Torres
Data de Nascimento: ?
Formação: Engenheiro Químico-Industrial, Instituto Superior Técnico, curso de 1915/1916
Admissão na CUF [data provável]: 1917 (Barreiro)
Residência:?
Naturalidade:?

Observações: O Eng.º Daniel Conceição Torres poderá ter sido admitido na CUF no enquadramento próprio da I Guerra Mundial, isto é, numa conjuntura de dificuldade de permanência de pessoal técnico estrangeiro nas fábricas do Barreiro, por recrutamentos para a grande deflagração em curso. Há ainda registo de mais dois engenheiros químicos do IST admitidos na Companhia União Fabril, pela mesma altura (BENSAÚDE, 1922, p. 71), mas não se conhece os seus nomes.

Existe um engenheiro Daniel Torres (IST) que assina a sebenta “Trabalhos práticos de Química, conforme as lições dadas no laboratório de Química Geral do Instituto Industrial de Lisboa”, 1941.

Não se encontram, de momento, quaisquer registos deste engenheiro no acervo documental da CUF nos Arquivos da CUF/QUIMIGAL. Coloca-se a hipótese de que possa ter transitado pelos anos 40, da CUF para o Instituto Industrial, para seguir a carreira docente.

Eng.º A. Cabral

Elementos pessoais obtidos a partir da Ficha do Cadastro do Operário

Nome: Armando de Almeida Cabral
Data de Nascimento: 8/09/1917
Formação: Engenheiro Químico-Industrial, Instituto Superior Técnico
Admissão na CUF: 02/08/1943 (Barreiro)
Demissão: 31/12/1946 (saída voluntária)
Residência: Barreiro, Rua Lawes, Nº 24, Bairro da CUF
Naturalidade: Brasil, Rio de Janeiro (nacionalidade portuguesa)

Observações: assina documentação emanada das Fábricas do Barreiro (Serviços de Exploração: Secção Estrangeiro), está em correspondência directa com o consultor Percy Parrish. Deverá ter-lhe sucedido A. Mascarenhas (Eng.º?) e parece ser um dos antecessores do Eng.º António Pessoa Monteiro

O Grupo de Trabalho

GRUPO DE TRABALHO DO ARQUIVO DA CUF/QUIMIGAL
«FICHEIROS TEMÁTICOS E IDEOGRÁFICOS DA CUF/QUIMIGAL»


Com o objectivo de recolher um conjunto de dados referentes à história da CUF e da QUIMIGAL, passível de se constituir em ferramenta útil também para uma melhor e mais eficaz organização dos seus arquivos, o grupo actualmente procede à compilação sistemática de informação sobre estas empresas, em temas representativos como PRODUÇÃO, SERVIÇOS/ESTRUTURAS, PESSOAL, C.I.E. E ÓRGÃOS REPRESENTATIVOS DOS TRABALHADORES, para o período de 1963 a 1990, utilizando como corpus o Boletim da empresa ”Informação Interna CUF” e publicações suas seguidoras.

Foram entretanto ultimados os seguintes volumes dentro desta linha de trabalho:

I: Colecção ÍNDICES TEMÁTICOS (1963 a 1990)

caderno “PRODUÇÃO” (1.ª, e 2.ª edição, corrigida e ampliada);
caderno “SERVIÇOS/ESTRUTURAS” (1.ª, e 2.ª edição, idem)
♦ caderno “PESSOAL” (Tomos I, II e III, 1.ª edição)

II: Em preparação: caderno complementar “C.I.E. E ÓRGÃOS REPRESENTATIVOS DOS TRABALHADORES”, e um aditamento ao caderno do “PESSOAL”.


Foram ainda aproveitados os índices gerais existentes (Índices remissivos) das publicações em causa, e desenvolvida uma nova colecção, ÍNDICES REMISSIVOS, na continuidade do volume elaborado pelo eng.º J. M. Leal da Silva, Índices Remissivos do Boletim “Informação Interna CUF” e seus sucessores para o período de 1963 a 1979. Assim, realizou-se:

caderno Índices Remissivos do Boletim “Informação Interna CUF” e seus sucessores para o período de 1979 a 1990 : “QUIMIGAL noticiário”;

caderno Actas da C.I.E., Comissão Interna da Empresa: Índice remissivo geral, 1963 – 1974;

Em elaboração: caderno Ao Serviço da Empresa, compilação do pessoal que, no Boletim “Informação Interna CUF” e publicações suas seguidoras, eram notícia por completarem 25, 35 e 40 anos de serviço.


Dada a grande dimensão do conjunto dos cadernos, revelou-se impraticável postar os volumes referidos no “fabricasol”. Porém, todos os volumes elaborados e em preparação existem em versão papel, e em ficheiro Word – exceptuando-se, por enquanto, o caderno Índices Remissivos do Boletim “Informação Interna CUF” e seus sucessores para o período de 1963 a 1979 , do qual existe uma versão em papel, e se ultima actualmente uma versão em ficheiro Word.
Qualquer solicitação para consulta poderá ser solicitada através do correio electrónico do “blog”, deixando indicação dos conceitos a pesquisar (ou do objecto em geral da consulta) e forma de contacto para seguimento. Pela mesma via daremos resposta à solicitação recebida e sugeriremos forma eficaz para consulta destes auxiliares e/ou do Boletim.

O Grupo de Trabalho

Notícia Sobre os Engenheiros da CUF em 1956

1. A abrir

2. O porquê das coisas

3. O “produto final”

4. Um comentário relativo ao Barreiro

5. O “Anexo Madaíl”

6. Diversos

7. A fechar

Anexos:
Os presentes anexos, pelo seu peso informático não são reproduzidos.



Lisboa / Barreiro, 21 de Março de 2005

José Miguel Leal da Silva

1. A abrir

Se é discutível a diferença entre “descoberta” e “achamento” há que concordar
que, pelo menos quanto ao Brasil, já fez gastar muita tinta. Num dos dicionários mais
correntemente usados, o primeiro vocábulo está definido como “acto ou efeito de
descobrir o que já existia, mas não era conhecido”, mas já para o segundo, o mesmo
léxico acrescenta, como acepção técnico-jurídica, a “forma de constituição de
propriedade de coisas móveis perdidas por parte de quem as encontrou.” Em qualquer
dos casos, subjaz ao facto a surpresa do encontro. E a apropriação pode justificar-se
quando houver qualquer coisa de útil a retirar da coisa achada, nem que seja num
entreabrir de portas para desenvolvimentos futuros.

É um pouco o que sucede agora, ao editar esta notícia. Em 1996 procurava-se
obter informações sobre o Eng. Eduardo Cândido Bravo Madaíl, com destino a uma
pequena nota biográfica solicitada sobre o mesmo por investigadores externos à
Quimigal (Drs. Elsa Sertório e António Louçã). O que se obteve sobre o Eng. Eduardo
Madaíl, figura a todos os títulos importante na hierarquia da Companhia União Fabril,
S.A.R.L. [que seguidamente se designará pelo consabida sigla CUF] nos períodos de
Alfredo da Silva e de D.Manuel de Mello, foi recolhido numa pasta facultada pelo Dr.
Ernesto Papa, então director da DCRH – Direcção Central de Recursos Humanos da
Quimigal S.A. e hoje infelizmente já falecido, dando lugar à notícia que se junta como
“Anexo Madaíl”.

Mas, surpreendente acaso, nesse mesmo dossier estava inserida — e
manifestamente fora da sistemática que seria de esperar — muita informação que se
não referia exclusivamente ao Eng. Eduardo Madaíl. Com conhecimento do Dr.
Ernesto Papa, a pasta foi cuidadosamente guardada para que tão interessante
material pudesse ser devidamente tratado numa primeira oportunidade. E tão bem
guardada ficou que alterações do percurso do narrador e várias mudanças, quer de
instituições, quer de instalações, a tornaram temporariamente encoberta. Reapareceu
agora, oportunamente a tempo de, mercê de técnicas informáticas mais avançadas,
permitir editá-la de forma mais fiel aos originais que, passados quase 10 anos, se
remeterão finalmente para tratamento, preservação e descanso no “Arquivo CUF
Quimigal”, entretanto instalado no Barreiro. Fica porém a notícia, para os vindouros.
Entendendo-se ter já decorrido tempo demasiado, em pleno eclipse, mais uma vez se
preferiu elaborá-la com o que se verificou existir, acompanhado duma sucinta análise
e dando a oportunidade de completação e melhoria por quem um dia reabra o
processo. E, por isso, a informação aí vai, saindo da puridade mas com pressa, tal
como poderia ter saído há cerca de 10 anos e contendo em si, como se tem agora
defendido para diversas actuações similares, um arrepio actualista ao perfeccionismo
que o signatário defendia anos atrás.

2. O porquê das coisas
Ora sucede que, a 19 de Julho de 1956, a Ordem dos Engenheiros
(seguidamente a designar como “Ordem” ou O.E.) pretendeu conhecer o elenco de
engenheiros ao serviço da CUF e dirigiu “ao Administrador” [sic] daquela empresa,
então ainda com sede na Rua do Comércio 49, em Lisboa, o ofício nº 2837, processo
B-5, que se reproduz como primeira peça do “Anexo Documental”.

Pedido interessante este e feito “A bem da Nação”, como então se encerrava a
correspondência oficial, em que se solicitava uma relação de engenheiros,
portugueses e estrangeiros, que estivessem ao serviço da empresa destinatária e de
suas associadas, donde constasse o nome, especialidade e residência.

A pedido do ora escrevente procurou-se já, nos arquivos da referida Ordem o
processo correspondente a esta diligência, o que permitiria esclarecer, entre outros
aspectos, se essa solicitação foi generalizada, podendo motivar um estudo mais
alargado, ou se foi iniciativa singular e, neste último caso, procurar averiguar o
“porquê” do seu surgimento e remessa à CUF. Encontrou-se cópia do ofício referido,
mas não houve novas do correspondente processo, pelo que o citado intuito,
incluindo — como se verá — um aprofundamento da resposta então dada pela CUF,
fica adiado para nova e melhor oportunidade.

Recebida a citada solicitação e dirigida logo a 21 de Julho ao “Pessoal” [i.e.
“Serviços de Pessoal”, de acordo com a estrutura funcional do momento], iria esta ter
um tratamento relativamente rápido. Mas não tão rápido que não tivesse motivado,
uma mensagem anónima e atímica (quer em remetente, quer em destinatário, quer
em data), em que se faz a transmissão da tarefa por impossibilidade de a ter realizado
(antes de férias?). Curiosas são, nesta mensagem (também patente no ANEXO
DOCUMENTAL), a recomendação quanto ao Barreiro, referida ao “Barroso”, bem
como a menção ao “Parreira Alves” e a dúvida existente quanto aos “agrónomos”.

É assim que, já em pleno período de férias, saem do Escritório Central / Serviços
de Pessoal da CUF sete mensagens para os diferentes serviços, reproduzindo o
pedido. Todas iguais, todas com a referência 56/051 e as iniciais JCO/MI e todas a 22
de Agosto de 1956. São estas:

• Nº 5771 a A Tabaqueira / Fábrica
• Nº 5772 à Sociedade Geral / Secção Técnica
• Nº 5773 à CUF. / Fábrica União
• Nº 5774 à CUF / Agência do Porto
• Nº 5775 à CUF / Serviços de Pessoal / Barreiro
• nº 5776 à CUF / Estaleiro Naval
• nº 5777 à Secção Técnica
lista esta que permite compreender o seguimento, ao tempo, de um pedido genérico
deste tipo, em termos de destinatários e de ordenação. Dada a similitude das
comunicações, reproduz-se no Anexo Documental apenas a primeira, de acordo com
a cópia-carbono (aliás de deficiente legibilidade) que está no arquivo.

As respostas não tardariam a chegar (todas presentes no já referido Anexo).

A 23 de Agosto a Secção Técnica / Serviços Administrativos remete a sua resposta,
com listagem anexa.

A 24 de Agosto é a vez tanto da Sociedade Geral / Secção Técnica / Serviços
Administrativos como dos Serviços Administrativos / C. U. F. – Fábrica União:

A 27 de Agosto é “A Tabaqueira” que, no desconhecimento da exacta situação do Sr.
René Vermeulen solicita esperar pelo regresso desse senhor de licença, “na próxima
2ª feira” (aliás 27 de Agosto de 1956 é uma 2ªfeira) para que possa responder com
segurança. De facto, a 4 de Setembro, um novo ofício de A Tabaqueira identificava as
licenciaturas estrangeiras do Dr. René Vermeulen (licenciado em Ciências Químicas
do Institut Superieur de Chimie Albert Meurice, agregado ao Institut Solvay) e do Eng.
Sebastião Martins Mourão (signatário do ofício, titular do “curso de Engenheiro
mecânico pelo Institut Industriel du Nord de la France, que trabalha em ligação com a
Faculdade de Ciências da Universidade de Lille”, mais assinalando que “a Ordem dos
Engenheiros Portugueses não reconhece os diplomas desse instituto”). Como se
verá, o assunto fica implicitamente resolvido pela não inclusão da informação de “A
Tabaqueira”, tal como da produzida pela “Sociedade Geral”, na listagem global
fornecida pela CUF à Ordem — o que se pode entender pela relativa autonomia
estrututal, ao tempo, daquelas duas sociedades.

Também nesta data (27 de Agosto) respondem os Serviços de Pessoal / CUF –
Delegação do Barreiro, em ofício assinado pelo Dr. Raul Caldeira, que anuncia “junto
enviar uma relação dos engenheiros que prestam serviço efectivo nesta Dependência”
e acrescenta “nesta relação não vão incluídos os engenheiros do Serviço de
Organização que, prestando por vezes serviço nesta Dependência, não são todavia
abonados pela mesma”. Sucede porém que nenhuma lista está anexa ao ofício, pelo
que temos de averiguar o conteúdo da resposta do Barreiro pela listagem final que foi
elaborada e por um outro elemento assaz interessante, exclusivamente referente ao
Barreiro e que será referido a devido tempo.

A 28 de Agosto é produzida a resposta da Agência do Porto da CUF, que inclui dois
engenheiros colocados em participadas locais e que, dada a presumível inexistência
duma relação directa de trabalho com a CUF, não serão incluídos na listagem global.

A 29 de Agosto é, finalmente, remetida a resposta da CUF / Estaleiro Naval / Serviço
de Pessoal, com listagem anexa.

Contém ainda o dossier três documentos desirmanados, sem data nem autoria, e de
desigual interesse:

O primeiro documento ocupa apenas a parte superior duma folha A4, limita-se a
repetir os nomes dos engenheiros indicados pela Sociedade Geral, acrescentando a
lápis a especialidade e a morada, também de acordo com essa comunicação. No
mesmo documento, mais abaixo, sob o título A Tabaqueira figura o nome do Eng.
Sebastião Martins Mourão, aliás riscado, que já se referiu como signatário dos ofícios
emitidos por aquela sociedade. Como já referido, estes nomes não irão constar da
listagem final, pelo que se admite ser esta relação provisória um elemento de trabalho
para apreciação da exclusão desses casos particulares.

O segundo documento, também discreto, é um apontamento a lápis de engenheiros
agrónomos, sem menção de autor ou proveniência. Também aqui se admite constituir
um elemento de trabalho em sentido contrário do anterior, ou seja para a inclusão na
lista final desses engenheiros, relativamente aos quais teria havido dúvidas.

O terceiro documento, de mais relevante interesse, contém, em duas folhas de formato
próximo de A4 e sob a epígrafe “Fábricas do Barreiro”, uma relação de quadros
superiores do Barreiro, repartidos por Zonas, Departamentos e Serviços, engenheiros,
licenciados não-engenheiros e não licenciados, mas não apresentando as
qualificações curriculares de cada um, nem o emissor, nem a data de emissão. Tal
geral abrangência curricular, não limitada a engenheiros,. bem como a indicação dos
nomes da “Organização Administrativa” que o ofício da Delegação do Barreiro dizia
excluir, leva a inferir que não seria esta a listagem omissa do processo, que se dizia
acompanhar o ofício subscrito pelo Dr. Raul Caldeira. E, com isto, surge uma dúvida:
qual a data deste documento? Será ou não compatível com a data da inquirição da
O.E.? Só o confronto desta lista com a lista final de engenheiros, presumivelmente
remetida à O.E., permite admitir tal posicionamento relativo. Pode aliás dizer-se ser
esta “lista Barreiro” posterior a Maio de 1956, mês da designação como director das
Fábricas do Barreiro do Eng. Rui Motta Guedes, facto que reforça a hipótese duma tal
coerência. Pelo seu interesse e significado, esta “lista Barreiro” será revisitada mais
adiante.


3. O “produto final”
A pasta de arquivo não tem qualquer cópia da carta finalmente remetida pela CUF à
O. E. com a informação global solicitada. Também, como já referido, não se conseguiu
essa carta daquela Ordem. Contém, porém, uma relação em seis folhas A4 (ou
formato próximo, dactilografadas de um só lado) que começa pela indicação “Relação
a que se refere a n/ carta nº … [?]” (o que não nos adianta muito quanto à carta,
começando pelo seu número e data) e que indica e reparte, por especialidades da
licenciatura em Engenharia (mas sem indicação de Escola), os 85 engenheiros
referidos pela CUF.

Merece essa relação, necessariamente incluída no Anexo Documental, alguns
comentários:


O primeiro ponto a notar é o elevado número de engenheiros ao serviço da CUF (85),
traduzindo uma efectiva preocupação de criação de capacidade técnica. Considerando
a repartição destes 85 engenheiros por local de residência e por local de trabalho ter-se-á o seguinte quadro:
Ou seja: com excepção dos 3 engenheiros que residiam e exerciam a sua actividade
no Porto e arredores, em ligação com a Agência do Porto (Engs. Manuel D. dos
Santos, civil, e João B. e Cunha, civil) e actividades industriais locais da CUF (Eng.
Carlos M. Caldeira, químico), os restantes 82 engenheiros da CUF repartiam-se
igualmente por locais de residência por Lisboa e arredores (a Norte do Tejo) e Barreiro
e Lavradio (a Sul do Tejo). Porém, quanto a locais de trabalho, Lisboa e arredores,
com 43 engenheiros, superava em 4 unidades o Barreiro e Lavradio, com 39 — e isto
porque 2 engenheiros eram dados como residentes em Lisboa mas trabalhando no
Barreiro (Engs. Mário S. Pimenta, electrotécnico, e Emanuel Q. e Lopes, mecânico)
e 4 eram dados como residentes a Sul do Tejo (3 no Barreiro e 1 no Lavradio) mas
sem constarem da relação de engenheiros que trabalhavam no Barreiro / Lavradio, i.e.
a já referida “lista do Barreiro”, pelo que se presumiu trabalharem em Lisboa
(respectivamente Engs. Manuel A. Lopes, civil, Manuel P. Serra, Manuel G. Ribeiro e
Armando V. Guimarães, todos os três mecânicos). Considerando a orientação
rigorosa vigente na altura quanto à residência no Barreiro ou Lavradio dos que nas
Fábricas do Barreiro trabalhavam, os dois casos referidos devem considerar-se
excepcionais, admitindo-se que pelo menos um deles correspondesse a uma situação
de mudança (Eng. Mário S. Pimenta); igualmente deveriam traduzir situações
transitórias os casos de residência no Barreiro sem aí trabalhar, sobretudo quando a
residência tinha lugar em instalações ligadas à empresa (Engs. Armando V.
Guimarães, no “Bairro Novo”, e Manuel A. Lopes e Manuel P. Serra, em “Hotéis”).

Outras quatro características a reter são as seguintes:

• Predominância, quase exclusiva, de uma população masculina. Em 1956, com
excepção da engenharia químico-industrial, era rara a frequência feminina dos
cursos de engenharia. Assinala-se que as duas únicas mulheres nesta
população (Engª Maria de Lurdes R. Pintasilgo e Engª Maria Odete S. de
Oliveira) estavam no Barreiro, eram ambas engenheiras químicas e ligadas à
área da documentação dos “Estudos e Projectos”.

• Ausência de engenheiros estrangeiros. Não se conhece bem a motivação do
inquérito da Ordem dos Engenheiros, mas facto é que destacava a referência a
engenheiros estrangeiros na informação a produzir. Ora, do inquérito realizado,
só surgiu um estrangeiro, aliás licenciado em ciências químicas (e não
engenheiro), que inclusive não constou de qualquer informação a produzir,
como seria de esperar (Dr. René Vermeulen, em “A Tabaqueira”).

• Valorização técnica produzida pela dotação qualificada de órgãos “staff” como,
no Barreiro, com os “Estudos e Projectos” e as próprias Zonas, facultando
perspectivas e actividades de desenvolvimento dentro de uma estrutura até
recentemente dedicada ao “business as usual”12.

• Omissão, porque aliás não solicitado pela OE, de indicações quanto à idade,
antiguidade de casa, escola e outros elementos curriculares.


É também interessante apreciar a distribuição geográfica do exercício profissional por
especialidades de Engenharia, como mostra o quadro seguinte:

[a] O Eng. João Farrajota Rocheta, licenciado em Engenharia da Construção Naval e Engenharia
Mecânica foi apenas contado em Engenharia da Construção Naval..

[b] O Eng. Fernando Máximo Pinto, licenciado em Engenharia Química e Engenharia de Minas,
foi apenas contado em Engenharia Química.

Como seria de esperar, o quadro acima traduz o predomínio dos Engenheiros
Químicos na zona do Barreiro / Lavradio, mas com Agronomia, Construção Naval,
Civil, Electrotecnia e inclusive Mecânica predominantes em Lisboa e arredores
[influência clara do Estaleiro Naval e dos órgãos centrais].


Tal situação ressalta igualmente dum quadro de confronto das informações parcelares
recebidas das consultas realizadas e que clarifica alguns critérios usados na
construção da informação final:
(a) os números entre parêntesis rectos correspondem aqui (como no quadro seguinte) aos casos
de dupla licenciatura já referidos, mas só considerados uma vez – como então também indicado
(b) Ver texto subsequente sobre a “desmantagem da lista do Barreiro”


No desconhecimento da informação proveniente da Delegação do Barreiro dos
Serviços de Pessoal, por não vir apensa ao correspondente memorando, efectuou-se
uma decomposição da “lista do Barreiro” por especialidades, como segue:

Ou seja: por acumulação das informações recebidas dos Serviços ter-se-iam apenas
73 (e não 85) engenheiros, sendo útil esclarecer por que razões há uma divergência
de 12 entre ambos os cômputos.


Construiu-se, para isso, o seguinte quadro:

Apreciando agora, especialidade a especialidade, este quadro, temos:

Engenheiros Agrónomos (-1) : Relativamente às informações dos Serviços, não foi tida
em consideração, na informação dada á O.E., a referência pela Agência do Porto do
Eng. Artur S. Castilho. Os restantes nomes coincidem em ambas as informações.
Engenheiros Civis (+2) : Relativamente às informações dos Serviços, a informação
final à OE acrescenta os Engs. Daniel M. Barbosa e Manuel A. Lopes, este último
residente no Barreiro mas com exercício profissional atribuído a Lisboa, ligados a
órgãos centrais da Empresa. Os restantes nomes coincidem em ambas as
informações.

Engenheiros Construtores Navais (0) : Os nomes coincidem em ambas as
informações.

Engenheiros Electrotécnicos (+4) : A informação à O.E. acrescenta às informações
dos Serviços os Engs. Duarte L. Pimentel, José M. Arez, Raul S. Fontoura, Manuel M.
e Sousa e Carlos A. Azevedo, todos residentes em Lisboa e ligados a órgãos centrais,
mas exclui, no Porto, o Eng. Almir Martins, essencialmente ligado a outras empresas
industriais da área, em que o Grupo tinha uma participação minoritária (vg. CPC). Os
restantes nomes coincidem em ambas as informações.

Engenheiros Mecânicos (+2) : A informação à O.E. acrescenta às informações dos
Serviços, em Lisboa, os Engs. António G. Portela, Fernando J. Nogueira, Manuel P.
Serra, José N. Branco e Armando V.Guimarães (este residente no Lavradio), inseridos
em órgãos centrais, mas não inclui, porque não abrangidos no elenco CUF, as
informações provenientes de A Tabaqueira (Eng. Sebastião M. Mourão) e Sociedade
Geral (Engs. Artur J. Lobo e Jorge M. Monteiro) Os restantes nomes coincidem em
ambas as informações.

Engenheiro de Minas (0) : O único caso, aliás de dupla licenciatura (mas só contado
uma vez no cômputo global), coincide em ambas as informações.

Engenheiros Químico Industriais (+5) : A informação à O.E. acrescenta às informações
dos Serviços, em Lisboa, os Engs. Eduardo C. Madaíl, João O. e Melo, Luís A. Alves,
Faustino A. de Sousa e António A. Monteiro, inseridos em órgãos centrais. Os
restantes nomes coincidem em ambas as informações.

Engenheiro Têxtil (0) : O único caso coincide em ambas as informações.

Fica assim devidamente esclarecida, essencialmente por consideração adicional de
engenheiros participando em órgãos centrais e cargos de alta direcção, em Lisboa, a
divergência verificada entre a acumulação de valores das informações provenientes
dos Serviços e a lista global produzida pela CUF.

4. Um comentário relativo ao Barreiro

A já referida imposição de domicílio no Barreiro aos chefes de serviço e secção que aí
prestavam serviço (que constituiriam os designados “chapas brancas” — “com ou
sem o diálogo dos dois leões no Largo das Obras” — e que, como chefes de serviço,
abrangia necessariamente os engenheiros) está na origem da criação no Barreiro
duma verdadeira “comunidade do saber” que tinha características bem próprias. Esta
situação só viria a atenuar-se no tempo com a abertura de algumas excepções aceites
para transporte diário no “ferry” da CP, neste caso com “carrinha” Hanomag à porta da
estação, ou nas lanchas que partiam do Cais das Colunas, as famosas “Oleiros” e
“Valha-nos Deus” dos anos 60 ou suas antecessoras, e, mais amplamente, com a
inauguração da então designada “Ponte Salazar”, em 1966. Mas em 1956,
aproximando-se o cinquentenário da operação fabril da CUF no Barreiro (1908/1958),
a situação era ainda caracterizadamente rígida e as excepções contadas. E como já
se referiu, ao nível dos engenheiros eram mesmo evidente raridade.

Mencionou-se já que, para além dos 39 licenciados em engenharia, a “lista do
Barreiro” contém, nos seus 48 nomes, outros 9 chefes de serviço, licenciados e não
licenciados. Eram estes, na altura, de acordo com os nomes patentes na referida
“lista”:

António José Rebelo Bustorff (Dr.) – Estudos e Projectos / Laboratório de
Ensaios
Ernesto Correia (Eng. Tecn.?) – Zona Metalomecânica
Luís de Almeida Guerreiro – Zona Conservação
• Carlos Maria Félix da Costa (Eng. Tecn.?)– Zona Conservação
• António Manuel Rodrigues Celeste (Dr.) – Organização Administrativa
• Vasco Manuel Soares Vieira (Dr.) – Organização Administrativa, mas já
transferido para Lisboa
• Artur Gomes Freire Quinta (Dr.) – Serviços de Contabilidade
• Francisco de Paula Sant’Anna Júnior (Dr.) – Serviços de Pessoal
• Raul Júlio de Almeida Pimenta Marques Caldeira (Dr.) – Serviços de Pessoal

Numa outra perspectiva dedutível dos elementos em análise, é interessante verificar
como a listagem transmitida à O. E., por indicar residências, permite identificar a
situação de alojamento relativa aos engenheiros residentes no Barreiro. Estes, como
os outros chefes de serviço e os chefes de secção, tinham três alternativas:

Sendo casados, alojamento propiciado pela empresa em condições de
arrendamento simbólico muito favoráveis no Bairro Velho da CUF (Bairro de
Santa Bárbara) ou nas 10 “moradias para pessoal superior” do então recém
inaugurado (1955) Bairro Novo (Bairro da Quinta da Fonte), no Lavradio, a
norte da via férrea, localizações geralmente preenchidas por opção hierárquica
ou dimensão familiar, ou ainda recurso ao mercado de arrendamento que
começava a desenvolver-se na “Vila”, ainda que incipiente, com um apoio para
as respectivas rendas;

Sendo solteiros, alojamento num dos diversos “hotéis” mantidos pela empresa
ou, em certos casos, recurso - mas raro - ao mercado local de arrendamento
(situação que se viria a deslocar nos anos 60, com o aumento da oferta,
levando à extinção gradual dos “hotéis”);

Assim, com base na “lista global”, é possível construir o quadro constante da página
seguinte:

Conclui-se desse quadro o predomínio, nesta data, do “domicílio CUF”, quer em
instalações propriedade CUF, quer ainda nos designados “hotéis”, que vêm
demonstrar um certo rejuvenescimento de estruturas, pois albergam 12 engenheiros
previsivelmente correspondentes a recrutamentos recentes.


Locais de residência de engenheiros da CUF no Barreiro /Lavradio:

(a) Residindo no Barreiro / Lavradio, mas não trabalhando no Barreiro
(b) A indicação do nº 11 (e a omissão do nº 2) quando de facto só foram construídas e inauguradas 10 moradias em 1955 leva
a pensar ou em lapso, ou numa admitida ampliação do número de vivendas construídas pela CUF no referido bairro
(ampliação que, a realizar-se, só viria a ter lugar por iniciativa dos interessados, em terrenos aí cedidos pela CUF em
condições favoráveis).
(c) Arruamento mais rigorosamente designado como “Rua do Industrial Alfredo da Silva”, que partia do Largo das Obras (Largo
Alexandre Herculano) e que seguia para o Lavradio, correspondendo à então EN 13. Com o fecho desta, após a remoção do
cemitério municipal, confunde-se geralmente com a Rua da CUF. Agradece-se à Dra. Vanessa de Almeida, da CMB, o apoio
na localização deste arruamento.
(d) Actual Av. Alfredo da Silva.
(e) Actual Av. Henrique Galvão

Quanto à alternativa “arrendamento” é de atender a que todos os referidos casos
(menos um, situado na Av. Afonso Henriques, ou seja a sul, “para lá das
cancelas”) correspondem a localizações centrais, em arruamentos próximos do
Parque e onde se desenvolvia, aliás com bom ritmo de construção, a “urbanização
moderna” do centro da então Vila.

5. O “Anexo Madaíl”
Pelo seu interesse e, acessoriamente, pelo papel que assumiu na (originalmente
imprevista) génese deste trabalho, reproduz-se, no referido anexo, a
documentação referente ao Eng. Eduardo Madail contida na referida pasta –
incluindo a súmula preparada em Fevereiro de 1996 para investigadores externos
à então Quimigal. O relevante papel do Eng. Eduardo Madaí na história da CUF é
já tido em conta em diversos textos16. Para além de render A. L. Stinville na
Direcção das Fábricas do Barreiro, em 1927 e de outras intervenções essenciais
na vida da Empresa, que constam da informação de 1996, é ainda de referir a sua
possível intervenção, no após-guerra, na breve, mas marcante, consultadoria
Percy Parrish (oportunamente a desenvolver, em notícia própria) e no
estabelecimento de uma potente tecno-estrutura na CUF, pelo recrutamento
maciço de licenciados nacionais.


6. Diversos
Como documento também presente no referido “dossier”, mas aparentemente
“órfão” de toda a lógica anterior, digitaliza-se como “Um Fundo de Pasta” um
“apelo” da direcção da Associação Industrial Portuense, dirigido por carta-circular
aos consócios da mesma aos 4 de Dezembro de 1961 para que, facilitando aos
engenheiros ao seu serviço o exercício de funções docentes, possam ser supridas
as necessidades de assistentes da Faculdade de Engenharia do Porto.

7. A fechar
Contem esta informação três anexos:

• O “ANEXO DOCUMENTAL”, contando de 20 folhas, impressas de um só
lado, sendo a primeira de rosto. Dele constam, na íntegra, a “lista Barreiro”
e a “lista global” de engenheiros CUF, em 1956, para remessa à O.E.;

• O “ANEXO MADAÍL”, constando de 19 folhas; e

• UM “FUNDO DE PASTA”, em 2 folhas.




Lisboa / Barreiro, 21 de Março de 2005
José Miguel Leal da Silva
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abril 27, 2006

Metamorfoses dos Homens

Um texto inédito da Dra. Isabel Cruz,
membro do Grupo de Trabalho


«A última e mais importante expansão
que a planta efectua no seu crescimento dá-se no fruto.
Ela é muitas vezes, tanto na sua força interior como na sua forma exterior,
muito grande, mesmo imensa.
Dado que habitualmente ela se processa após a fecundação,
a semente aparece daqui para diante melhor determinada,
indo buscar as seivas necessárias para o seu crescimento a toda a planta,
fazendo-as dirigir-se para o fruto,
pelo que os seus vasos se alimentam,
aumentam de volume e, muitas vezes,
se enchem e expandem ao mais alto grau»

Goethe, A Metamorfose das Plantas

Preâmbulo

Ligar-se o nome de Alfredo da Silva à grande indústria química não será mais do que insistir num dado aceite e por demais conhecido. Não obstante, entende-se que a adopção deste facto tem deixado para trás aspectos importantes da relação de Alfredo da Silva com a Química, que existiu, até foi intensa e, além do mais, projectada muito para lá do interesse puramente negocial do patrão da CUF.
E, pensa-se que a prevalência de uma concepção de “self-made-man” associada a Alfredo da Silva, poderá ter contribuído para arredar a possibilidade de outros questionamentos
[1] e inibido uma indagação metódica sobre a qualidade desta relação. Mesmo um rápido visionamento ao currículo de Alfredo da Silva nos anos do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, permite verificar um extenso e variado manancial de conhecimentos adquiridos, que tem necessariamente de ser considerado na génese do “know-how” do industrial.
Em primeiro lugar, os estreitamente relacionados com a actividade comercial como a contabilidade e as operações comerciais e financeiras, mercadorias (classificação geral), os vários “direitos” – comercial, marítimo, internacional, administrativo - a legislação, consular, aduaneira, industrial, e a economia política. Depois, as disciplinas gerais de enquadramento, como a História e a Geografia, e as línguas estrangeiras (Francês, Inglês e Alemão). E, por último, as matérias de formação científico-técnica, Botânica, Zoologia, Mineralogia, Docimásia e Geologia, a Física (e suas aplicações à indústria), a Higiene das indústrias e construções, a Merceologia (incluindo o estudo das matérias primas, e meios práticos de reconhecer formas adulteradas no comércio), a Tecnologia Química e a Química.
Um estudo anterior, apresentado na “4th International Conference on History of Chemistry”, Budapeste, em Setembro de 2003, discute o lugar e a pertinência deste projecto de formação (fundamentalmente o Curso Superior de Comércio da reforma de Emídio Navarro de 1886/1888 mas onde se deverá incluir ainda algumas disciplinas da reforma de João Franco, de 1891) no contexto particular das disciplinas científico-naturais, e tecnológicas, de um “comercialista” com capacidade para intervir na actividade industrial, e estabelece uma linha de continuidade entre as aprendizagens realizadas e o desenvolvimento das indústrias químicas que Alfredo da Silva dirigiu na CUF.
Sob pena de se repetir o que já foi apresentado, deixa-se para o leitor interessado a possibilidade de consulta do referido trabalho, em
http://www.triplov.com, que (julga-se) poderá ter a virtude de, pelo desenho conseguido da conjuntura nacional científica e do ensino correspondente, em torno dos anos de juventude de Alfredo da Silva, enquanto aluno do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, e em especial no respeitante à Química, revelar o primeiro elo de ligação de Alfredo da Silva a esta ciência em Portugal.


1. Novas relações de Alfredo da Silva com a Química

Indigo ou anil, a sua extracção em terrenos de África – António Augusto de Aguiar, Alexandre Bayer e Carlos von Bonhorst, no ensino da química prática.
O que tem este título, de um artigo publicado na “Revista de Química Pura e Aplicada”, em 1919, e escrito por um antigo preparador de Química da Escola Politécnica de Lisboa, Emílio Dias[2], a ver com o tema em epígrafe, é algo que efectivamente não se percepciona de imediato, ainda que se identifiquem desde já referências importantes, que se podem associar ao nome de Alfredo da Silva, como António Augusto de Aguiar, Carlos (Carl) von Bonhorst e química prática.
Nomes e termos que remetem para o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa e seu ensino da Química, ao tempo de Alfredo da Silva e do Curso Superior de Comércio, e que «vêm como um incidente, são um a propósito» como o próprio autor confessa, num artigo cujo objectivo principal é defender a ideia da implantação de uma indústria portuguesa de extracção do indigo em territórios de África (Angola, S. Tomé, Ilha do Príncipe), onde a planta se desenvolvia espontaneamente. Nomes «a propósito» da existência, em Portugal, no início do século XX, de uma “massa crítica” de «práticos com aptidões as mais variadas» (o autor refere em particular agrónomos e engenheiros químicos) que eram particularmente capazes de colocar em andamento projectos deste tipo.
Um evidente progresso em relação ao passado, indicado como directamente resultante da iniciativa de António Augusto de Aguiar de criação dos cursos de Química prática no Laboratório de Química do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Estes «práticos» eram assim, segundo Emílio Dias, os frequentadores destes cursos organizados por António Augusto de Aguiar no Laboratório de Química. Em rigor, sabe-se que a continuidade no tempo desde a década de setenta do século XIX até à altura em que o artigo foi publicado, não poderá ser tão linearmente descrita, até porque os cursos dirigidos superiormente por António Augusto de Aguiar deverão cobrir apenas a época de 1872/1873 a 1886/1887, pois este virá a falecer em Setembro de 1887.
Ainda assim admite-se, de momento, que os cursos possam ter funcionado também no ano lectivo de 1887/1888, e apesar da morte do seu primeiro responsável, e catedrático de Química no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, nos moldes que o terão caracterizado, devido à possível permanência
[3] do alemão Carl von Bonhorst, colaborador de Aguiar, no cargo de assistente de Química prática no referido laboratório.
Mas, no ano lectivo seguinte, 1888/1889, já sem von Bonhorst, deverá ter sido Virgílio Machado, o sucessor de António Augusto de Aguiar na responsabilidade da Química que, com o preparador do Laboratório, Miguel Ventura da Silva Pinto, assegurará o andamento de um curso prático da cadeira respectiva, a 9.ª: Química mineral e orgânica; Análise química.
Não se sabe até que ponto os cursos práticos de Aguiar se distinguiram do curso prático de Virgílio Machado, não obstante conhecerem-se alguns aspectos que poderão ser importantes para esse questionamento. Em primeiro lugar, os cursos práticos de Aguiar não eram de carácter obrigatório, ao contrário dos de Virgílio Machado. A relação com a cadeira de Química do Instituto seria pois, naturalmente distinta, num e no outro caso.

1.1. A Química prática segundo António Augusto de Aguiar

Os cursos práticos de Aguiar tinham surgido por uma conjuntura sensível à necessidade e importância do ensino prático da Química aplicada às artes e à indústria. Para tal, Aguiar (o responsável pela 4.ª cadeira: Química aplicada às artes e à indústria, e na altura o director do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa) organizara o Laboratório de Química da referida instituição de ensino «segundo o plano dos melhores laboratórios da Alemanha, e em circunstâncias de poder habilitar nas manipulações da química, não só a mocidade estudiosa de qualquer escola do reino, mas muito principalmente os industriais e artistas que, não carecendo de estudos tão desenvolvidos, quiserem alcançar conhecimentos práticos nas variadíssimas aplicações desta ciência»; sem que se exigisse qualquer tipo de habilitação aos frequentadores interessados, as portas do laboratório abriam-se assim para todos os que quisessem aproveitar deste tipo de ensino por mais humilde ou modesta que fosse a sua condição, conforme justamente se afirma no preâmbulo do documento que oficializa os cursos de Química prática no referido Laboratório: «As portas do laboratório do instituto ficam patentes a todas as classes da sociedade que quiserem frequentá-lo, e contribuir para o progresso da ciência e da indústria» (cf. AGUIAR, 1872, p.3).
Sem carácter obrigatório, o ensino prático no Laboratório de Química abrangia também alunos que frequentassem com aproveitamento a cadeira de Química do Instituto, e nessa altura constituía o complemento ao ensino teórico veiculado na mesma. Segundo os Estatutos do Laboratório de Química Prática, o ensino da Química aplicada às artes (como era designada essa formação) podia dividir-se em várias especialidades, ditadas pelas necessidades dos frequentadores do Laboratório, tendo sempre como fim à vista, habilitar nas manipulações químicas indivíduos que se dedicassem à indústria, tinturaria, metalurgia, farmácia, medicina, comércio das drogas, arte de minas, galvanoplastia, fotografia, química analítica, teórica e tecnológica (AGUIAR, 1872, pp.5 – 6).
O ensino prático era retribuído (pagamento mensal e adiantado), funcionava em duas épocas - semestre de Inverno e semestre de Verão - e estava dividido em lições «de dia inteiro» e «de meio-dia». Os alunos podiam trabalhar na semana por pacotes de seis, três ou dois dias completos ou então, seis, três ou dois dias incompletos. A assiduidade era controlada, havendo um número limite de faltas seguidas ao trabalho do Laboratório, ultrapassado o qual se considerava o facto como uma desistência.
Havia também possibilidade de ensino teórico auxiliar, igualmente pago pelos alunos (200 reis por aluno e por lição de uma hora; o limite mínimo de lições teóricas era seis e o máximo sessenta), e para se iniciar um destes cursos, era necessário um número mínimo de inscritos (5), enquanto que para viabilizar um curso prático bastava um único.
Em contrapartida, o Instituto obrigava-se a fornecer aos alunos:
«1.º Instrução prática e o correspondente ensino teórico para inteligência das manipulações.
2.º Mesa de trabalho com gaveta ou armário fechado.
3.º Água, carvão, banho-maria e banho de areia.
O gás é pago fora parte pelos alunos, no fim do mês.
4.º Reagentes, ou matérias primeiras necessárias à sua preparação; exceptuam-se os seguintes: nitrato de prata, cloreto de platina, óxido de cobre e cromato de chumbo para análise orgânica, molibdato de amónia, papel Berzelius, álcool e éter.
5.º Todos os aparelhos e utensílios de trabalho com exclusão dos seguintes: maçarico, limas, faca, tesoura, pinça, cadinho, fio e lâmina de platina, caixa de pesos.
6.º Duas pequenas cápsulas de porcelana, três pequenos funis, um esguicho de água destilada, três matrazes, seis copos de análise e doze tubos de ensaio. Os objectos desta classe que o aluno precisar, além dos que ficam enumerados, tem de comprá-los à sua custa.
7.º Os grandes aparelhos e os instrumentos caros, como balanças, grandes cápsulas, retortas, funis, frascos e termómetros. Quando se partam será o laboratório indemnizado do prejuízo pelos alunos.» (cf. AGUIAR, 1872, pp.9-10).

A instrução prática prevista para os alunos do Instituto – o curso de Química aplicada às artes - implicava necessariamente a frequência do Laboratório durante seis dias da semana pelo período de um ano, e estava programada segundo a sequência: 1.º Análise qualitativa dos corpos inorgânicos e das substâncias orgânicas mais vulgares; 2.º Análise quantitativa dos corpos inorgânicos pelas pesagens e pelos volumes; 3.º Ensaio dos produtos, drogas e minerais mais conhecidos no comércio, e 4.º Análise orgânica elementar e preparação dos produtos químicos minerais e orgânicos de maior importância.
[1] Outros horizontes entretanto se revelaram com a mais recente biografia de Alfredo da Silva, de Miguel Figueira de Faria et alii, de 2004.
[2] Químico, ex-preparador da cadeira de Química Orgânica na Escola Politécnica de Lisboa, sócio activo da Academia química de Berlim, sócio honorário da Sociedade Farmacêutica Lusitana, sócio efectivo da Sociedade de Geografia de Lisboa, sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa. Em 1872 entrou para a Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás. No início da década de 80 (mais precisamente em 1885) a Companhia em questão tinha em funcionamento dois tipos de manómetros eléctricos, inventados por Emílio Dias, que nela exercia funções como segundo engenheiro. Aguiar relata que Emílio Dias montou, junto com o primeiro engenheiro, o Sr. Ahrends, o laboratório de experiências e ensaios fotométricos dessa Companhia (DIAS, 1885, pp.3 – 13).
[3] Aspecto a merecer maior averiguação, uma vez que existe uma informação numa fonte, que permite supor que Carl von Bonhorst em Janeiro de 1888 já não deveria estar no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, pois esta refere-o como professor de Química na Escola Industrial das Caldas da Rainha (“Jornal de Farmácia e Química”, 2.º Ano, Janeiro de 1888, N.º 13). Certo é porém, que em Outubro de 1888, von Bonhorst está ao serviço na Escola Industrial Marquês de Pombal.
Segundo uma nota obituária, Carl von Bonhorst nasceu em Wiesbaden e terá vindo para Portugal na sequência da guerra franco-prussiana; aqui constituiu família e viveu até morrer, sempre dedicado ao ensino da Química, e tendo dirigido durante muitos anos o Laboratório do Tribunal do Contencioso técnico aduaneiro (Necrologia. “Revista de Química Pura e Aplicada”, 1918, N.º 7 – 8, pp.243 – 244).

abril 07, 2006

António Augusto de Aguiar



(Imagem retirada de BRITO, 1889)

António Augusto de Aguiar (Lisboa, 1838 – Lisboa, 1887): químico e político português; lente da 6.ª cadeira (Química Inorgânica, principalmente) da Escola Politécnica de Lisboa, e da 4.ª cadeira: “Química aplicada às artes e à indústria” do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, de que foi também director. Tem vários trabalhos científicos no domínio da Química Orgânica, publicados só em seu nome, ou em colaboração com Alexandre Bayer e Édouard Lautemann. Deputado (1879), par do reino (1880), ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1884).

Carl von Bonhorst


Carl von Bonhorst (Wiesbaden, ? – Lisboa, 1918) segundo uma gravura publicada na rubrica Necrologia, “Revista de Química Pura e Aplicada”, 1918, N.º 7 e 8. Alemão, assistente de R. Fresenius no seu laboratório em Wiesbaden, estava em Portugal desde a guerra franco-prussiana, como assistente de Química prática no Laboratório de Química do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, cargo que manteve até 1888, tendo de seguida assumido a responsabilidade do ensino da Química na Escola Industrial Marquês de Pombal, também em Lisboa. DIAS, 1919, refere que aqui casou e constituiu família, quatro filhos, sendo um deles o médico Henrique de Bonhorst.

O Laboratório de Remigius Fresenius em Wiesbaden

O Laboratório de Remigius Fresenius em Wiesbaden (1873) fundado pelo próprio em 1848 e onde Carl Von Bonhorst terá trabalhado antes de chegar a Portugal. Mais tarde, em 1884, Fresenius agregou ao laboratório um Instituto Higiénico e Bacteriológico.

Remigius Fresenius

Remigius Fresenius (Frankfort, 1818 – Wiesbaden, 1897): foi assistente de Liebig na Universidade de Giessen e depois também “privat-dozent”. Desde 1850 até aos seus últimos anos foi encarregado só, ou com seus filhos e assistentes, de mais de 50 análises completas de águas minerais da Alemanha, da Áustria e Hungria. Fresenius ocupava uma alta posição no meio científico do seu país e no estrangeiro. Era membro de honra da Sociedade Química de Berlim; foi eleito por tês vezes presidente do congresso alemão de ciências naturais; era sócio da Academia das Ciências da Prússia (1888), da Suécia (1883) e da Itália (1882). Quando completou setenta anos conferiram-lhe o título de cidadão de Wiesbaden. Era também conselheiro de Estado da Prússia (SILVA, 1911).

1.2. O ensino prático de Química ao tempo de Virgílio Machado

Comparando este com o programa do ensino prático para a cadeira de Química, que alguns anos mais tarde era apresentado pelo director do Instituto Industrial e Comercial para o ano lectivo 1889/1890 (ver Anexo I), cadeira já sob a responsabilidade de Virgílio Machado, facilmente se reconhece em ambos uma estrutura base algo semelhante. Isto leva a supor que se desenhou um certo tipo de continuidade à iniciativa de desenvolvimento da instrução em Química prática para alunos do Instituto, não obstante a morte precoce do seu patrono, e outras alterações menores, mas ainda importantes, realizadas a nível da organização e estrutura do Laboratório.
Contudo, a situação da instrução prática em Química no seu global no Laboratório de Aguiar e no de Machado está ainda por estabelecer, com contornos precisos, em ambos. O novo compromisso entre a cadeira de Química e o seu ensino no Laboratório, que surgiu em Agosto de 1889 com a obrigatoriedade do ensino prático para várias cadeiras do Instituto poderá ter levado a que, pelos encargos envolvidos e apesar da vantagem nas receitas, no “sistema Machado” já não houvesse lugar para outras versões significativas do trabalho no Laboratório de Química, como o eram os «praticantes» - frequentadores regulares dos cursos do Laboratório e que não eram alunos do Instituto - e outras modalidades ainda, contempladas no “sistema Aguiar”, como se pode verificar através novamente dos seus Estatutos: «Artigo 11.º Os engenheiros, fabricantes, industriais, farmacêuticos, etc., que desejarem fazer algum trabalho químico pouco demorado, podem ser admitidos no laboratório, segundo as condições que se estipularem de acordo com o director do laboratório» (cf. AGUIAR, 1872, p.11).
Porém, um opúsculo de 1873, elaborado por Fradesso da Silveira, revela que os cursos práticos no Laboratório de Química do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa já eram gratuitos nessa altura, para alunos desta instituição (SILVEIRA, 1873, p.146), e um facto idêntico é confirmado em Exposition Universelle de Paris en 1878, p. 7, o que permite supor que de alguma forma o problema de orçamento e financiamento já se colocava ao tempo de Aguiar, se bem que com razoáveis diferenças, como se pode apreciar pelo testemunho do director do Instituto, Luís Porfírio da Mota Pegado, ao comparar ambas as situações, sob o ponto de vista dos encargos: «os reagentes que se consumiam e o material que se deteriorava ou inutilizava, quando a prática do laboratório não era obrigatória e a sua duração era relativamente restrita, não têm decerto comparação com o consumo e dispêndio de hoje que os alunos não podem deixar de seguir trabalhos, a que não estão habituados, permanecendo neles seis horas por semana. A dotação do laboratório não pode, portanto, ser a mesma que foi, para que os exercícios dos alunos tenham a importância que convém a eles e à instrução pública em geral.
Quando no Instituto, por iniciativa de um dos seus mais ilustres directores, e meu colega no magistério, se fizeram cursos práticos de Química, o laboratório tinha, segundo creio, uma dotação bastante superior à que tem agora, e não me parece justo que no momento em que se pretende restabelecer esse curso, embora sob outra forma, a dotação seja inferior ao que então foi» (cf. PEGADO, 1890, p.15).

Virgílio Machado

(Imagem retirada de SANTOS; CASTANHO, 1998)


Virgílio Machado (Lisboa, 1859 – Lisboa, 1927): aluno da Escola Politécnica, completou os seus estudos na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, onde se formou em 1883. Grande entusiasta pelas aplicações médicas da electricidade, abriu nesta cidade um gabinete especial de electroterapia, que manteve durante muitos anos, e foi o primeiro médico a fazer passar uma corrente eléctrica por agulhas cravadas num aneurisma na aorta, conseguindo assim a cura. No Instituto Industrial e Comercial de Lisboa foi quem sucedeu a António Augusto de Aguiar na cadeira de Química (9.ª: Química mineral e orgânica; Análise química, de acordo com a reforma de Emídio Navarro, de 1886/1888). Por sua própria iniciativa, Virgílio Machado visitou no estrangeiro, Espanha, França, Bélgica, Alemanha e Inglaterra, várias escolas e centros hospitalares, a fim de ampliar os seus conhecimentos. Em 1903 fundou, na capital, o Instituto Médico Virgílio Machado, para aplicação da Física e da Química às operações do diagnóstico, e estudo, sob o ponto de vista da terapêutica, das acções da luz, do calor, da electricidade, do electromagnetismo, dos raios X, etc., no organismo humano. Com o seu irmão, e lente da 6.ª Cadeira da Escola Politécnica, Aquiles Machado, assinou um manual de Química: Química Geral e Análise Química (1892). Era médico honorário da Real Câmara.


Virgílio (esq.) e Aquiles Machado (dir.), à saída de uma sessão solene da Academia Real das Ciências (“Ilustração Portuguesa”, N.º 71, 1 de Julho de 1907).

1.3. Os «práticos» do Laboratório de Química do Instituto

Parece claro que o facto do ensino prático se ter tornado obrigatório trouxe ao Instituto problemas adicionais para a manutenção do Laboratório de Química, e outras exigências ao nível do seu funcionamento. A avaliar pelo que Mota Pegado afirmava, o Laboratório de Machado era mais frequentado, e mais pobre, que o de Aguiar. Pode-se talvez acrescentar, que também o seu projecto de formação era menos diversificado (centrado essencialmente na figura do aluno da 9.ª cadeira do Instituto, “Química mineral e orgânica; Análise química”), e por esse mesmo facto, menos rico de experiências pessoais, muitas delas as «de saber feito» que tanto influenciaram o desenvolvimento da Química, em particular na sua vertente prática e industrial. Diferenças à parte, entende-se especialmente pertinente que ambos os “formatos”, Aguiar – Machado, se confrontem, e se compreendam, nas interligações que viabilizaram a continuidade de uma formação prática em Química, durante várias décadas (de 1872 a 1911) no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa.
Talvez por isso, a aparente displicência com que Emílio Dias cruza, sem temor, os anos de Aguiar e os de Machado no Laboratório de Química do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, para se concentrar na importância deste estabelecimento prático e seu projecto de ensino na preparação dos «cientistas consumados», homens de ciência com provas dadas, à data da escrita do seu artigo, e que enumera, exemplificando para: António Xavier Correia Barreto, autor da pólvora portuguesa, sem fumo; Emílio Estácio, fundador da Companhia Portuguesa de Higiene e autor de uma série numerosa de produtos farmacêuticos, alguns deles absolutamente novos; Emílio Fragoso, director e fundador do jornal “A Gazeta de Farmácia” e Alfredo da Silva, «que nos dá a página talvez de maior brilho nos anais da nossa indústria moderna com a remodelação, novas instalações e novos preparados, que através da muita vicissitude, fez na Companhia União Fabril, de que é director» (cf. DIAS, 1919, p.49).
A explanação do tema dos «práticos» ou frequentadores dos «cursos de química prática e análise e indústrias químicas» continua ainda pela pena de Emílio Dias, constatando-se por fim, que a ideia defendida não é original – a de que a Química prática, no laboratório, era a essência da formação de um químico
[1].
Já o percurso histórico de outros químicos (portugueses) revelara isso mesmo, como o de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (lente proprietário sucessivamente das cadeiras 6.ª, e de Química Orgânica da Escola Politécnica de Lisboa, e durante algum tempo, o professor da 7.ª cadeira: Química aplicada às artes, do Instituto Industrial de Lisboa), de Sebastião Betâmio de Almeida (professor da 7.ª cadeira: Química aplicada às artes, Escola Industrial do Porto e Instituto Industrial de Lisboa; uma experiência prévia no projecto de ensino industrial da Associação Industrial Portuense), Roberto Duarte Silva (chefe dos trabalhos de Análise Química e depois também professor, da École Centrale des Arts et Manufactures; professor de Química da École Municipale de Physique et de Chimie Industrielles de la Ville de Paris), Agostinho Vicente Lourenço (lente proprietário da cadeira de Química Orgânica, Escola Politécnica de Lisboa), que a terão adquirido no seu contacto directo com o estrangeiro.
Para além do mais, ao ensino da Química prática, pela sua inevitável relação com a experimentação, e comprometimento directo com o treino e desenvolvimento de capacidades de observação e de rotinas psico-motoras, era-lhe reconhecido um papel formador que ultrapassava a própria questão dos conteúdos que integravam o “pacote”, e um potencial motivador e de eficácia a não desprezar no contexto das aprendizagens em Química. A isso mesmo Emílio Dias se refere na seguinte passagem do seu artigo: «Pode afirmar-se, sabemo-lo por experiência própria, que mais se esquece teoricamente o que estudou nas aulas, do que aquilo que praticamente nelas se fez ou demonstrou com os adequados exercícios.
Adquire-se também com esses exercícios a arte de manusear com facilidade reagentes e aparelhos os mais variados e complicados; dão por vezes esses exercícios em resultado criarem-se aptidões, e, com frequência, as mais extraordinárias, e até especialistas dos mais eminentes» (cf. DIAS, 1919, p.52).
Estes argumentos poderão assim justificar, o facto de ao chamamento do primeiro curso prático de António Augusto Aguiar em 1872/1873, terem acorrido principalmente alunos da Escola Politécnica, a saber: João Rodrigues dos Santos, Sabino Maria Coelho, Guilherme de Oliveira Martins, José da Paixão Castanheira das Neves, Alfredo Luís Lopes, entre outros (DIAS, 1919, p.49), um sector estudantil com currículo pouco ou nada chegado às “lides” industriais, mas sensibilizado q.b. para o triunfo da Química oitocentista. Surpreendentemente (ou não) Emílio Dias seria o único industrial a matricular-se no curso nesse ano lectivo (DIAS, 1919, p.49).
Uma listagem publicada no “Diário do Governo”, fornece entretanto os nomes dos alunos do Instituto Industrial e Comercial que ao abrigo do artigo 12.º dos Estatutos do Laboratório de Química Prática - alunos “bolseiros” que com anterior aproveitamento na cadeira de Química do Instituto, podiam ser admitidos no curso de Química Prática – eram chamados a frequentar o curso nesse mesmo ano lectivo
[2]: Guilherme Augusto de Oliveira Martins; Gregório Rafael da Silva Almeida; Alfredo Luís Lopes; José da Fonseca Teixeira; António Augusto Felix Ferreira; Pedro Castro de Aguiar Craveira Lopes; José da Paixão Castanheira das Neves; Francisco António de Sequeira; Clemente Augusto de Assunção; Manuel Cardoso dos Santos Vasques; Pedro Maria Alves da Silva; José Francisco da Costa Ramos.
Como há vários nomes coincidentes nas duas instituições de ensino, e ainda que não seja a única forma possível de articulação entre alunos da Escola Politécnica e o curso de Química Prática de A. A. Aguiar, é viável supor-se que vários alunos da Politécnica de Lisboa se matriculavam na 4.ª cadeira do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, a “Química aplicada às artes e à indústria”, regida por António Augusto de Aguiar, que realizavam com aproveitamento, e seguidamente se candidatavam à frequência no curso de Química Prática.
Entende-se que a presença deste tipo de alunos – alunos oriundos do ensino superior - não só revela o entusiasmo da juventude que estudava em Lisboa nas escolas superiores, pela Química ensinada, com ingredientes práticos e industriais
[3] e com outro tipo de protagonismo dos alunos, uma vez que lhes era facultado um sistema quotidiano de manipulações variadas, como também comprova o quanto se deveria afastar desse conceito, o ensino da Química nas suas instituições de origem. E, não obstante a falta de elementos referentes às frequências deste curso nos anos lectivos seguintes, julga-se muito aceitável que uma procura deste tipo se tenha mantido, pelo menos até nessas instituições se desenvolverem cursos de índole semelhante, conforme registo que é dado novamente por Emílio Dias: «Os cursos práticos da iniciativa de António Augusto de Aguiar foram coroados do melhor êxito. Colegas seus se apressaram a imitá-lo, inaugurando também nos seus cursos, e em outras ciências, o ensino da sua aplicação prática» (cf. DIAS, 1919, p.52).[4]
O curso de Química Prática de António Augusto de Aguiar funcionou ainda com outros colaboradores, nomeadamente Alexandre Bayer (francês?) e o já referido Carl von Bonhorst, alemão, de Wiesbaden, ex-assistente de Fresenius[5] e que foi assistente de Química prática no Laboratório de Química do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que muito deverão ter contribuído, mediante a sua pragmática experiência no terreno, para a ligação entre a Ciência e a Indústria no campo do ensino. Outros nomes aparecem também ligados ao laboratório em questão ao tempo de Aguiar: António Augusto Félix Ferreira (farmacêutico e vice-director da botica do Hospital de S. José), que nele deverá ter continuado a exercer algum tipo de actividade, mesmo depois da frequência do curso prático, em 1872 – 1873, ao que parece até 1881, ano em que faleceu[6]; Miguel Sertório dos Santos Sousa, praticante no Laboratório, conforme informação do “Almanaque Comercial de Lisboa” para o ano de 1888.

[1] Para uma discussão alargada sobre como vários “laboratório-escola” proliferaram na França oitocentista (Paris, precisamente) e contribuíram para o fenómeno da difusão da Ciência e da profissionalização dos químicos, veja-se CARNEIRO, Ana (2001) – As Escolas de Investigação em Química, em Paris, na segunda metade do século XIX. “QUÍMICA”, Outubro/Dezembro, N.º 83.
[2] Segundo os termos do aviso publicado no “Diário do Governo”, N.º 200, de 6 de Setembro de 1872, pp.1330 – 1331, estes alunos foram seleccionados de vários anos lectivos anteriores, com a qualificação de distintos nos exames finais da cadeira de Química.

[3] A este propósito pode-se admitir que a forte personalidade de António Augusto de Aguiar e sua influência sobre os alunos tenha contribuído para os motivar mais, uma vez que Aguiar era também lente da 6.ª cadeira (Química) da Escola Politécnica de Lisboa.

[4] Isto é verdade, pelo menos no que diz respeito à Escola Politécnica de Lisboa, onde em 1889/1890, José Júlio Bettencourt Rodrigues (nessa altura já como lente proprietário da 6.ª cadeira, por morte de Aguiar) conseguiu por em funcionamento um «Curso prático da 6.ª cadeira» [Em documento anterior, de 1885, Bettencourt Rodrigues chamou-lhe Curso de Química Experimental] complementar do ensino teórico, ainda que sem carácter obrigatório. Sobre este curso, veja-se ALVES, 1996.

[5] Remigius Fresenius (1818 – 1897) nasceu em Frankfurt, cursou a Universidade de Bonn, e terminou os seus estudos em Química em Giessen, onde foi discípulo de Liebig, e depois “privat-dozent”. Em 1845 foi nomeado professor de Física, química e tecnologia em Wiesbaden, e ali fundou em 1848, o seu afamado laboratório, destinado a fornecer uma séria instrução química experimental, não só na química geral, como nas suas aplicações à indústria, ao comércio, à farmácia, à agronomia e à enologia. Como secções especiais destes cursos existiam (pelo menos até 1911) a Análise química aplicada à tecnologia, e a Análise química bromatológica. Fresenius era considerado um exímio analista e um profundo conhecedor da matéria (SILVA, 1911, p. 347).

[6] Esboço Biográfico de A. A. Félix Ferreira. “Jornal da Sociedade Farmacêutica Lusitana”, Setembro e Outubro, 1882, 3.º Tomo, N.ºs 9 e 10, p.181.